À luz dos compromissos feitos durante campanha presidencial, Dilma Rousseff garantiu que - se eleita, não permitiria o que ela classificou de 'incentivos a mais desmatamentos, redução de área de preservação ambiental e a anistia a crimes ambientais'. Embasados nessas promessas, diversos grupos da sociedade se mobilizaram para a campanha 'Veta, Dilma! ao novo texto do Código Florestal, outra parte da sociedade pede à presidente para não vetar. Vetar ou não vetar? Essa é uma decisão que a presidente Dilma terá de tomar até esta sexta-feira, 25.
O novo Código Florestal, aprovado em abril pela Câmara dos Deputados, foi destituído da discussão com a população brasileira, o que, na opinião do advogado Marcus Felipe da Silva Mota, especializado em Direto Ambiental, a submissão do texto feita a uma pequena parcela da sociedade caracterizou o início da inconstitucionalidade em torno do tema.
Para o diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC, José Antônio Aleixo da Silva, entre outros pontos polêmicos no novo texto estão a aprovação da liberação de crédito e a anistia para quem desmatou irregularmente, estados passarem a decidir sobre autorização de exploração agrícola em áreas de proteção permanente (APPs), faixas de APPs medidas a partir do leito regular e apicuns e salgados não serem considerados APPs.
Segundo ele, o Brasil esperou que houvesse um acordo entre os partidos políticos, ambientalistas e ruralistas para que o agronegócio brasileiro continuasse crescendo, "porém, com sustentabilidade ambiental. E o que aconteceu foi a demonstração do poder político e interesses de grupos. Além disso, outro ponto polêmico foi a proibição do cadastro rural na Internet pelos deputados e isso restringe o poder de controle da sociedade."
"Infelizmente, a presidente Dilma e o PT historicamente não têm aportado interesses na área ambiental e estão demonstrando um atraso histórico incomensurável na tentativa de nos tornar Primeiro Mundo, sem perceber que nos leva ao abismo sem retorno", afirmou o professor Paulo Diaz Rocha, da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, ITCP-USP .
O presidente da Sociedade Rural Brasileira, SRB, Cesário Ramalho da Silva, lamenta que a SBPC tenha se posicionado sobre este assunto como militante ambiental e não como uma organização científica. "Quem desmatou irregularmente vai precisar reparar os danos causados e, para isso precisará de recursos. Como vai obtê-los sem crédito para dar continuidade a suas atividades?", questionou Silva. Para ele, o papel dos estados no SISNAMA foi estabelecido em lei, e os impactos restritos aos estados devem ser por eles decididos.
"Quanto ao cadastro rural, penso que a legislação está adequada. Informações sobre as ações da União, dos estados e dos municípios devem ser públicas. Informações sobre questões privadas devem ser privadas com acesso das autoridades, conforme regulamentação legal. Discordo inteiramente de que o que aconteceu foi demonstração de poder de grupos. Lamentavelmente, é mais uma posição equivocada. O assunto foi examinado detalhadamente pelos deputados que decidiram conforme suas convicções", concluiu Silva.
Segundo especialistas, a proposta de lei estimula a exploração do manguezal que é uma sentença de morte, além disso autoriza novos desmatamentos em APPs e altera as áreas de topo de morro. "Um mangue presta gratuitamente uma diversidade de outros serviços ambientais. Manguezais são cinturões verdes. Protegem nosso litoral, ruas, casas, comércio e indústrias contra erosão e enchentes, além de reterem uma quantidade significativa de poluentes", disse o educador popular Gustavo Belic Cherubine, do Movimento Ambientalista Urbano, EcoBioMetropolitano.
"Desmatar mangue é tirar a proteção natural do nosso litoral com impactos profundos no continente. Estudos comparativos de 1990 até hoje demonstram que o IDH dos municípios costeiros do Nordeste, onde houve um crescimento explosivo da carcinicultura, não melhorou. Os recursos gerados pela exploração do mangue não ficam no município. Os carcinicultores ocupam um patrimônio público, o mangue, e deixam como legado a miséria e a destruição." (leia entrevista completa com o educador aqui)
Desmatamento e consequências - Não é a primeira vez que o tema desmatamento vem à tona. Na década de 90, o Código Florestal foi alterado por uma Medida Provisória, ampliando na Amazônia Legal a reserva de 50% para 80% como resposta à expansão agrícola, ocorrida por volta dos anos 70. Em 2009, o inventário do Climate Analysis Indicators Tool (CAIT) - World Resources Institute (WRI) classificou o Brasil como um dos maiores emissores de gases do efeito estufa (GEE) do mundo. O documento também estabelece que a maior parte da emissão de GEE advém do desmatamento, principalmente do bioma Amazônia, para dar lugar à agricultura e pecuária.
O biólogo e mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Ouro Preto, Valdir Lamim-Guedes, faz em seu artigo 'Colher o fruto sem plantar a árvore' um apelo à sociedade para um olhar mais apurado e crítico a respeito do que foi feito nas regiões auríferas do estado de Minas Gerais, no século XVIII. "As normas agora propostas implicarão significativas perdas de áreas com vegetação natural ainda existentes nos biomas brasileiros e comprometerão compromissos assumidos pelo Brasil em acordos internacionais de redução de emissões de carbono para a atmosfera", afirmou Guedes.
"O Brasil assumiu metas voluntárias na COP 15. Além disso, o nosso país é um grande emissor de gases causadores de efeito estufa por causa da queima de pastagens e florestas, e o desmatamento, desta forma, apesar de não ter metas obrigatórias, a redução das emissões no Brasil é mais simples, principalmente se mantivéssemos as nossas fontes de energia mais limpas. Sujar a matriz energética é o processo de aumento de dependência de petróleo", comentou o biólogo.
A degradação ambiental gera perda de solo fértil o que piora as condições para a produção agrícola, que geralmente é acompanhado pelo uso de adubos químicos, e como o solo está desprotegido, o adubo é arrastado pelas águas das chuvas para os rios, causando sérios problemas. Outra questão é a perda de espécies. Isso é um problema grave e, se tratando de produção agrícola, isto está relacionado ao combate de pragas (inimigos naturais) e serviços de polinização.
Embora algumas espécies confiem a forças abióticas, incluindo vento e água, para a transferência de pólen, mais de três quartos das espécies de angiospermas, de um total de 235 mil, dependem de cerca de 200 mil espécies de animais polinizadores, como por exemplo, insetos, pássaros e morcegos, para auxiliar no seu processo reprodutivo. Polinizadores são fundamentalmente importantes para a produção de cerca de 30% da dieta humana, muitas fibras (algodão e linho), óleos comestíveis, bebidas alcoólicas e medicamentos.
A diminuição da disponibilidade de polinizadores para as plantas que deles necessitam pode causar limitações na quantidade e/ou qualidade dos frutos e número de sementes, constituindo-se em um dos maiores problemas quando se trata de produção agrícola. "A detecção de um declínio de populações de polinizadores é uma preocupação internacional. Este declínio ocorre devido a várias ameaças como a destruição ou alteração do ambiente, o uso de pesticidas, a ocorrência de parasitas e doenças, aos grandes cultivos baseados em monoculturas e à introdução de espécies exóticas", explicou o biólogo Valdir Lamim-Guedes. "Existe muita gente estudando e algumas fazendo a recuperação de áreas degradas. É uma tarefa difícil, demorada e, às vezes cara. Neste caso, a máxima 'prevenir é melhor que remediar' é a mais pura verdade."